Entre todos os objetos do cotidiano, poucos carregam tanta história, significado e transformação quanto a vassoura.
Um simples cabo de madeira com feixes de palha parece banal hoje, mas durante séculos ela foi um instrumento de sobrevivência, poder simbólico e expressão social.
Mais do que uma ferramenta de limpeza, a vassoura representou o espaço doméstico — e, por consequência, o papel das mulheres dentro dele.
Ela acompanhou mudanças culturais, revoluções industriais e transformações sociais profundas, passando de símbolo de servidão a ícone de autonomia, resistência e até de magia.
Neste artigo, vamos explorar como surgiu a vassoura moderna, por que ela é tão ligada à figura feminina e como sua evolução reflete a própria história das mulheres na sociedade.
Antes da vassoura: como o mundo varria o chão
A ideia de varrer o chão é quase tão antiga quanto o próprio ato de construir um lar.
Nas primeiras civilizações, as casas eram feitas de barro ou pedra, e o chão acumulava poeira e cinzas de fogueiras.
Para manter o ambiente limpo, os povos antigos usavam ramos secos, galhos ou fibras vegetais para empurrar a sujeira para fora das cabanas.
No Egito Antigo, há registros de mulheres usando feixes de palha de junco para limpar os templos e as casas nobres.
Esses instrumentos eram rudimentares, mas já cumpriam a função básica da vassoura.
Na Grécia e em Roma, surgiram as primeiras versões organizadas: feixes amarrados com corda em um cabo curto de madeira.
O ato de varrer, porém, não era considerado tarefa nobre.
Era um símbolo de subserviência, frequentemente delegado a servos, escravos e mulheres — a quem se atribuía a responsabilidade de manter o lar limpo e “honrado”.
Com o passar dos séculos, varrer passou a ser mais do que uma simples tarefa prática: tornou-se um gesto simbólico de ordem, disciplina e moralidade.
Em muitas culturas, uma casa limpa representava uma alma limpa — e a vassoura era o instrumento dessa purificação.
Os primeiros modelos e materiais: da palha ao cabo
Durante a Idade Média, as vassouras eram praticamente as mesmas de milênios anteriores: galhos secos amarrados em um cabo curto.
Usava-se tudo o que estivesse disponível — giesta, sorgo, palha de milho, junco, capim ou até penas de aves.
Esses modelos primitivos eram desconfortáveis, desiguais e se desmanchavam com facilidade.
Mas eram baratos e acessíveis, o que os tornava presença obrigatória em todos os lares e aldeias.
Foi no século XV, porém, que algo curioso começou a acontecer:
a vassoura começou a se associar fortemente à imagem feminina.
Em parte porque o trabalho doméstico era considerado “natural” às mulheres, e em parte porque as representações religiosas e culturais reforçavam essa ideia.
É também nesse período que nasce o mito da bruxa e sua vassoura, uma das associações mais antigas e simbólicas da cultura ocidental — e que, curiosamente, tem raízes no cotidiano doméstico.
3. Bruxas e vassouras: quando o doméstico virou símbolo de poder
Entre os séculos XV e XVII, a figura da bruxa começou a se consolidar na Europa.
E adivinha qual era o objeto mais presente em sua imagem?
A vassoura.
A explicação é mais prática do que mágica:
a vassoura era um dos poucos instrumentos que as mulheres possuíam e dominavam completamente.
Ela simbolizava o espaço da casa — e, portanto, o território de poder feminino em uma época em que as mulheres eram excluídas da vida pública.
Quando as mulheres começaram a ser perseguidas por práticas de cura natural e conhecimento popular, a vassoura se tornou símbolo duplo:
de opressão (como instrumento doméstico) e de liberdade (como ferramenta mística de ascensão, “voar” sobre o cotidiano).
Enquanto a Igreja via a vassoura como um sinal de heresia, as mulheres viam nela um símbolo de autonomia silenciosa — um objeto que, embora simples, lhes pertencia integralmente.
O nascimento da vassoura moderna: dos feixes ao formato atual
O design da vassoura moderna começou a tomar forma em meados do século XVIII, nos Estados Unidos.
Até então, a maior parte das vassouras era feita artesanalmente, com galhos amarrados manualmente.
Foi em 1797 que Levi Dickenson, um fazendeiro de Massachusetts, criou a primeira vassoura de sorgo (ou broomcorn).
Ele amarrou cuidadosamente as fibras longas e flexíveis de uma planta de sorgo em um cabo de madeira e presenteou sua esposa.
O resultado era mais durável, mais firme e muito mais eficiente — ela varria melhor e levantava menos poeira.
A invenção fez sucesso entre as vizinhas, e em pouco tempo as vassouras de Dickenson começaram a ser produzidas em série.
Nascia assim a vassoura moderna, com cabo longo, feixes simétricos e amarração firme — praticamente o mesmo modelo que usamos até hoje.
O século XIX trouxe também o avanço das fábricas de vassouras, especialmente nos Estados Unidos e na Europa.
A produção passou a ser feita em larga escala, e novos materiais — como arame, borracha e madeira tratada — começaram a ser incorporados.
Com a Revolução Industrial, surgiram as primeiras máquinas para montar e prensar vassouras.
Mas, curiosamente, a mão de obra feminina continuava predominante.
Mulheres eram responsáveis por amarrar, costurar e finalizar cada peça, mantendo viva a relação histórica entre elas e esse objeto.
O papel das mulheres: da servidão à autonomia
Durante séculos, a vassoura foi associada à mulher como símbolo de subordinação doméstica.
A cultura patriarcal reforçava que o espaço feminino era a casa — e a limpeza era seu dever e sua virtude.
Imagens publicitárias do século XIX e início do XX mostram donas de casa sorridentes, segurando vassouras como se fossem coroas de realeza.
Por trás do sorriso, havia uma mensagem: a boa mulher é aquela que mantém o lar impecável.
Mas com o tempo, essa associação começou a mudar.
Na segunda metade do século XX, com os movimentos feministas e as transformações sociais, a vassoura começou a ser reinterpretada.
Ela deixou de ser símbolo de servidão e passou a representar autonomia, dignidade e poder sobre o próprio espaço.
A mulher que varria não o fazia apenas por obrigação, mas por escolha — por controle sobre o ambiente que era seu.
Além disso, muitas mulheres encontraram na fabricação e venda de vassouras uma forma de sustento e independência financeira.
No interior do Brasil, por exemplo, comunidades inteiras de mulheres produzem vassouras de piaçava, garantindo renda e protagonismo econômico local.
A vassoura, portanto, não é apenas um objeto: é uma ferramenta de emancipação.
A vassoura na era industrial e a transição para o século XX
Com o avanço da industrialização, novas versões da vassoura surgiram.
Nos anos 1920, começaram a ser fabricadas as vassouras de cerdas sintéticas, mais leves e resistentes à umidade.
Na década de 1950, o plástico revolucionou o design doméstico, tornando as vassouras mais coloridas, higiênicas e acessíveis.
Esse período marcou também o auge das campanhas publicitárias voltadas às donas de casa.
A figura feminina aparecia nos anúncios como a heroína do lar — sorridente, bonita e satisfeita com seu “poder de limpeza”.
Mas, por trás dessa imagem idealizada, o movimento feminista já crescia.
A partir dos anos 1960, as mulheres começaram a questionar o peso simbólico do trabalho doméstico e reivindicar reconhecimento, não apenas dentro, mas também fora de casa.
A vassoura — antes símbolo da servidão feminina — começou a ser usada, ironicamente, em protestos feministas.
“Se varrer é o que nos impõem, então vamos varrer o mundo velho”, diziam alguns cartazes.
O simbolismo contemporâneo: da faxina à representatividade
Hoje, a vassoura ocupa um novo papel cultural.
Ela é, ao mesmo tempo, objeto de trabalho, arte, tradição e resistência.
No Brasil, por exemplo, é comum ver vassouras sendo usadas em rituais de limpeza energética e espiritual, especialmente nas religiões afro-brasileiras.
A ideia de “varrer as energias ruins” é uma herança simbólica antiga, que conecta o ato de limpar à purificação emocional e espiritual.
No universo pop, a vassoura segue presente: de bruxas modernas a memes domésticos, ela continua carregando significados múltiplos.
Em campanhas publicitárias, muitas marcas passaram a retratar a vassoura não como um símbolo de submissão, mas como um instrumento de poder prático e cotidiano — nas mãos de quem organiza, transforma e cria.
E, de certa forma, isso reflete a própria jornada feminina:
a capacidade de transformar o ordinário em extraordinário, o simples em poderoso, o invisível em essencial.
Curiosidades históricas sobre a vassoura
- A palavra “vassoura” vem do latim versoria, que significa “aquilo que vira ou varre”.
- Em algumas culturas, a vassoura é usada em rituais de casamento, como o “pular a vassoura” das tradições afro-americanas — símbolo de união e novos começos.
- No interior do Brasil, acredita-se que deixar a vassoura de cabeça para baixo impede visitas indesejadas.
- Em casas antigas, a vassoura ficava atrás da porta para afastar maus espíritos — um costume herdado da Idade Média.
- As primeiras vassouras elétricas surgiram no início do século XX e foram precursoras dos aspiradores de pó.
Conclusão
A vassoura é mais do que um utensílio doméstico: é um símbolo cultural de transformação e poder feminino.
Ela acompanhou a humanidade desde as primeiras cabanas até os apartamentos modernos, varrendo não só a poeira, mas também paradigmas.
Em cada fio de piaçava, há a memória de gerações de mulheres que moldaram a história silenciosamente — limpando, criando, cuidando e resistindo.
O cabo de madeira, firme e discreto, é testemunha do trabalho invisível que sustentou famílias, civilizações e sonhos.
Hoje, a vassoura moderna é fruto de inovação e design, mas também de história e significado.
E, nas mãos certas, ela continua sendo instrumento de mudança, empoderamento e dignidade.
FAQ
1. Quem inventou a vassoura moderna?
Foi o fazendeiro Levi Dickenson, em 1797, nos Estados Unidos, ao criar a primeira vassoura feita com fibras de sorgo, mais resistente e prática.
2. Por que a vassoura é associada às mulheres?
Porque durante séculos o trabalho doméstico foi atribuído às mulheres, e a vassoura se tornou símbolo desse papel.
Mas, ao longo do tempo, essa associação ganhou novos significados — de autonomia e poder.
3. Qual foi a principal inovação nas vassouras modernas?
A substituição das fibras naturais por cerdas sintéticas e o uso de cabos de alumínio e plástico, que tornaram o produto mais leve e durável.
4. O que significa “varrer a casa” em rituais culturais?
Em muitas culturas, varrer simboliza limpeza espiritual e renovação de energia, representando um novo começo ou a expulsão de maus fluídos.
5. Existe diferença entre vassoura de piaçava e sintética?
Sim. A piaçava é mais resistente e ideal para áreas externas; a sintética é leve e prática para ambientes internos.
6. A vassoura ainda é símbolo de magia feminina?
Sim. Em várias tradições, ela representa poder, limpeza energética e liberdade — uma herança dos antigos mitos das bruxas e suas vassouras.




